Casa da Bruxa

Saturday, July 02, 2005

A Bruxaria na Europa Pós Gardner

Quando falamos de civilizações extintas, assumimos a característica “mortal” dessas civilizações. Falamos sobre seu corpo material, profano, apodrecido e deteriorado pela terra em que fora sepultado, a que podemos chamar de história. Mas e seu espírito? Espírito aqui eloqüentemente encarado como sua cultura religiosa, crenças, deidades? Seu conceito do “sagrado”? Por vezes, a antropologia social urbana nos demonstra que não existe morte para o sagrado e sim pequenos estados de coma.
No passado, o fenômeno de civilizações conquistadoras que assimilavam a cultura sagrada dos povos vencidos acabava por manter viva, mesmo que de forma adaptável esse sagrado. No presente, vemos um novo fenômeno: O resgate desse antigo sagrado de forma vivificada, não hipócrita e nem fora do contexto moderno. Assim também foi com a bruxaria.
Nesse artigo inicial, não pretendemos falar sobre a vivificação da bruxaria paleolítica/neolítica, com fortes pitadas de cultura medieval por Gerald Gardner. Nem tão pouco seu relacionamento com Aleister Crowley (esses assuntos requerem profunda pesquisa ). Decidi-me por fornecer um panorama nunca bem explorado sobre os rumos da Bruxaria na Europa, mais particularmente na Ilha de Man, ponto focal de culto, talvez muito mais rico e ilustrativo do que as experiências iniciais em New Forest.
Talvez a mais forte representatividade do ressurgimento do paganismo tenha se dado no período em que Gardner mudou-se para a ilha de Man e posteriormente a continuidade do desenvolvimento das bases do paganismo nessa ilha pós mortem desse personagem. O Deus de chifres dos antigos caçadores e a Deusa Mãe, representação da própria Terra encontravam-se vivos e atuantes nessa pequena ilha.
A ilha de Man localiza-se no que chamaremos de Grã-Bretanha céltica, mais precisamente no mar da Irlanda em Castletown, um pequeno porto da costa sul, na região dos celtas, entre a Escócia, a Irlanda e a Bretanha. Uma ilha mística por natureza. Não em sua geografia ou mesmo por mitos ligados a locais misteriosos. Um observador mais atento descobriria que lá, os gatos não tem cauda, existem carneiros com quatro chifres e mesmo que (uma formação geológica) a figura de um gigante repousa na forma de uma montanha há milhares de décadas, apenas aguardando pelo herói que encontrará o caminho subterrâneo para acorda-lo.
Nesse cenário espetacular Gardner criou seu próprio mundo, que permaneceu intocado por mais alguns anos após sua morte. Um moinho repleto de artefatos, uma área O CARNEIRO DE 4 Chifres ritualística usada por seus seguidores para manter viva a Da Ilha de Man sua crença vivificada. Após a morte de Gerald, segundo sua vontade expressa em testamento, o museu e todo seu acervo passaram à posse de Monique Wilson, uma descendente direta dos Celtas antigos nascida na localidade de Ouessant na França e última Alto-Sacerdotisa a trabalhar com Gardner na Ilha de Man.
Lady Wilson (também conhecida como Olwen- uma homenagem as corujas) era uma mulher baixa, morena e enérgica e viveu até o ano de 1982, vindo a falecer na cidade de Torremolinos, próxima a Málaga. Dirigiu com firmeza junto a seu marido o coven da Ilha de Man durante a estada de gardner nesse plano, bem como após sua morte. Ela e seu marido gostavam de ser chamados de WITCHES. Falaremos da palavra Witch mais abaixo, mas percebemos que por diversas línguas, a exemplo do francês Sorcier, que aparece pela primeira vez no século XII, essa palavra sempre teve profunda ligação a práticas pagãs. A palavra latina sorcerius, da qual deriva esse vocábulo, já era usada quatro séculos antes e sua raiz “sor” designa o conjunto de práticas mágickas de advinhação, práticas completamente ligadas ao paganismo.Monique Wilson (Lady Olwen)
A palavra Witch, formadora de Witchcraft (Arte da bruxaria) é advinda do saxão wica(primeira forma a que gardner referiu-se a vivificação da bruxaria, com apenas uma letra “c”), que por sua vez forma a palavra wise, que significa sábio, conhecedor do oculto. Na língua alemã, witz significa espírito e weise tem o mesmo significado de sua palavra irmã inglesa wise. Todas essas palavras têm correspondentes em línguas antigas como o sânscrito e o grego. Em sânscrito a palavra VEDA representaria a ciência por excelência, o mais alto grau de conhecimento, e em grego, encontramos a palavra OIDA que significa o “eu” sei, o saber do Logus e que tem sua formação da mesma base da famosa palavra EUREKA, que significa idéia.
E foi dentro desse ambiente místico e mágicko em que Lady Olwen, com sua nudez ritualística segurou pr tantas vezes uma espada com mais de seis séculos de idade, e com ela traçou por centenas de vezes o círculo mágicko dos trabalhos do coven para oficiar os ritos na própria representação da Deusa, como a rainha das bruxas.
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O ambiente era peculiar. O incenso tornando o ar acinzentado, velas e lamparinas tremeluzentes lançando suas luzes sobre a sala no moinho da ilha de Man. Poder-se-ia sentir a energia de forma física.
A feitiçaria da ilha de Man era verdadeira, assim como seus feiticeiros. Lady olwen gostava de afirmar que sua religião era muito antiga, que teria sido praticada na Europa ocidental muito antes da romanização dessa localidade (vide “O culto às bruxas da Europa Ocidental” M.Murray, edit. Madras) . Os deuses de Roma, e mais tarde o Deus Cristão, suplantaram a antiga religião, mas não de todo. Na idade Média, os feiticeiros eram adoradores do diabo. Mas não se tratava, aí, do Satã das sagradas escrituras cristãs, nem do Lúcifer hebraico, expulso do paraíso. O inimigo Medieval da nova religião tinha chifres e pés bifurcados: era o antigo deus celta Cernunnos. A bruxaria da França medieval, por exemplo, até o século 17, apresentava duas morfologias distintas: a vontade deliberada do sacrilégio para com a nova religião (a oficial) e a permanência desesperada da religião antiga e derrotada. Mas na Ilha de man, essa religião não havia sido derrotada, tão pouco esquecida. Ela permaneceu sobrevivendo clandestinamente.
Lady Olwen e seu coven gostavam de afirmar que os “witches” da Ilha de Man eram capazes de agir, não somente sobre o mundo material, mas também sobre acontecimentos. Monique Willson defendia-se fortemente contra acusações de “magia negra”. Assuntos como malefícios, ritos diabólicos ou orgias escandalosas eram terminantemente proibidos entre os habitantes da ilha, assim como pelos turistas que a visitavam. Mas a magia se manifestava. Lady olwen afirmava categoricamente ser capaz de fazer o vento mudar de rumo, fazer subir as marés ou fazer a neblina cercar a ilha, porém, jamais banalizava sua magia sem razão especial, sob a pena da perda de seus poderes.
Nessa época, o mundo moderno estava limitado a escolher entre religiões condensadoras que se assemelhavam a reinados absolutos e a um materialismo como o visto no Vaticano. Cernunnos, o deus celta da grande e pequena Bretanha, Dionísio grego, fadas e elfos, todos os que representavam as divindades da vida, mantinham seu poder latente nesse pequeno pedaço de terra esquecida pelo mundo “moderno”. Em nome dessas deidades, Lady Olwen e seu coven untavam seus corpos com um certo ungüento de levitação. Atualmente ainda usamos tal ungüento, mas compreendemos que essa substância provoca um “desdobramento” que permite que o corpo astral abandone o corpo físico. Trata-se da mesma antiga receita utilizada por Lady Olwen e seu coven na ilha de Man. Uma mistura como uma pomada marrom, cuja composição não posso revelar, mas que a primeira vista cheira a húmus e folhas mortas. Assim como naquele tempo, provoca uma pressão nas têmporas e na testa. Ouve-se as batidas do próprio coração e sente-se como levitar. É quando passamos a viajar pelos diferentes mundos e dimensões. Graças a esses bruxos corajosos e verdadeiros, podemos experimentar tais sensações.
O que restou na ilha de Man?
O museu de feitiçaria foi legado a Lady Olwen por Gerald Gardner. Gardner havia trazido estranhas lembranças de todas as artes do mundo: armas, manuscritos, livros de magia, amuletos, talismãs e tudo o que pode identificar como sendo ligado a magia e ao ocultismo.Ao que nos parece, apenas após sua morte que suas coleções foram organizadas e catalogadas, sendo o museu definitivamente posto em funcionamento.
O museu não dispunha de catálogos. Em meio a uma dezena de quinquilharias podia-se encontrar objetos de grande valor, como livros antigos, peças de cerâmica gregas e as famosas mandrágoras da ilha de Man.
Mas o museu foi mantido aberto ao público por pouco tempo após a morte de Gardner. E mais tarde, não sabemos os motivos corretos, mas supomos que Lady Olwen tenha sofrido algum tipo de decepção com o coven, a mesma mudou-se da ilha, vendendo todo seu acervo a organização Riplley, aquela mesma do “Acredite se quiser”. Uma perda inestimável para nossa religião e sua história.
Sem dúvida, devemos nosso respeito e admiração a Lady Olwen e aos habitantes da ilha de Man que, graças a seus esforços em manter viva a antiga religião, nos permitiram a cultuarmos e adorarmos os antigos deuses.

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